Há exatamente um ano, 4 de abril de 2020, o Brasil teve 1.304 novos casos de covid-19 e uma média móvel de sete dias de 922 mortes. No dia do fechamento desta matéria, 30 de março de 2021, os novos casos foram 84.494 e uma média móvel de 75.441 contando os sete dias anteriores. Não é novidade que estamos vivendo o ponto mais grave da pandemia. E a ciência tem papel de protagonista nessa crise sanitária: entender a doença, produzir vacinas o mais rápido possível, descobrir as variações do vírus, sempre enfrentando com informações o negacionismo de parte da população. Pesquisas que colocam a covid-19 sob o microscópio também são realizadas na Paraíba, com financiamento do governo do estado, através da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (FapesqPB) e seu edital covid-19.
O Laboratório de Inteligência Artificial e Macroeconomia Computacional (Labimec), da Universidade Federal da Paraíba, tem feito análises comparando a 1ª com a 2ª onda da pandemia na Paraíba. Todos sabemos que atualmente, no Brasil, a crise está pior. Mas quanto? “Na primeira onda foi possível observar médias de contaminação diária de 574 casos e 12 óbitos, respectivamente. Esses números saltam, em média, para 842 casos de contaminação e 18 óbitos por dia”, explica Cássio Bessaria, coordenador da pesquisa junto com Maria Daniella Silva.
O Labimec publica de segunda a sexta informações sobre a covid-19 no perfil do laboratório no Instagram. Às sextas-feiras, elas são reunidas em um boletim semanal. “Nós fazemos um resumo dessas publicações que ocorrem ao longo da semana, com um detalhamento metodológico sobre cada uma delas”, conta. “E isso fica sumarizado em um documento, em um arquivo em pdf que as pessoas podem baixar”.
A monitoração do Labimec vem sendo feita desde o início da pandemia, o que permite a comparação entre o momento mais agudo do ano passado (os meses de julho e agosto) e o novo pico que o Brasil vive nesse momento, na contramão do resto do planeta. “Nossa análise é contínua, tendo em vista que possuímos dados de desde o início da pandemia”, afirma Bessaria. As análises levam em consideração alguns fatores: o acompanhamento dos níveis de isolamento social, a ocupação de leitos, redes sociais e a análise do perfil das mortes. “Para cada análise há uma metodologia específica”, diz o professor. “Utilizamos a análise visual, estatísticas descritivas, projeções, entre outras”.
No boletim nº 48, de 26 de março, traz dados que vão além daqueles que são diariamente divulgados nos telejornais. Por ele, sabe-se, por exemplo, que as mortes por covid-19 atingem mais os homens (53,4%) que as mulheres (46,6%). Essa diferença diminuiu em relação à primeira onda (55,6%, homens; 44,4%, mulheres). Já a média de idade, na Paraíba, cresceu um pouco: de 68,9 anos para 69,7 anos.
A média de mortes por dia também cresceu. A pesquisa dá 14,2 mortes por dia na primeira onda (3.295 óbitos em 232 dias) e 15,37 na segunda (1.537 mortes em 100 dias). O número de casos por dia, no entanto, dobrou: passou de 574,9 para 1.008,73.
“Quando analisamos os números da doença em relação ao tempo das respectivas ondas, alguns dados são alarmantes”, alerta o boletim. “Os casos por dia da 2ª onda já são quase que duas vezes mais rápidos que a primeira. Os óbitos por dia também são superiores. Destacamos ainda, para consolidação dessas informações, que se comparar os 100 primeiros dias da primeira onda, os valores são ainda maiores”.
“De forma voluntária e respondendo a demanda de municípios específicos, geramos relatórios técnicos e que levam em consideração todas as análises descritas anteriormente”, conta o professor. “Esses relatórios foram utilizados pela UFPB (comissão de biossegurança), Defensoria Pública do Estado da Paraíba, Ministério Público Federal, entre outros”.
Dados ajudam na tomada de decisão
Outro projeto financiado pelo governo do estado, através da FapesqPB, tem o título “Modelo de suporte à tomada de decisão sobre intervenção e risco na grande João Pessoa e grandes cidades paraibanas em decorrência da pandemia de covid-19”, pelo Laboratório de Estatística Aplicada ao Processamento de Imagens e Geoprocessamento, da UFPB. Os resultados foram divulgados recentemente no III Workshop de Saúde Pública sobre Tomada de Decisão, no último 26.
O estudo está sendo desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), coordenado pelo professor Ronei Marcos de Moraes. Os pesquisadores desenvolveram métodos de monitoramento e previsão de casos de covid-19 para a Grande João Pessoa, que é formada pelos municípios de João Pessoa, Cabedelo, Conde, Bayeux e Santa Rita. O workshop foi direcionado a secretários de saúde do Estado e destes municípios.
Os modelos de predição ajudam o gestor a antever o que provavelmente ocorrerá na próxima semana epidemiológica, se os contornos da situação atual se mantiverem. “Os mapas mostram a situação espacial hoje e como a pandemia se distribui”, explica Moraes. “O modelo de decisão aponta as áreas que devem ser priorizadas de acordo com a análise dos dados disponíveis atualmente”.
“Como toda pandemia é dinâmica, o segmento de previsão deve ser atualizado para acompanhar a evolução da própria pandemia”, continua. “No momento atual, o modelo foi capaz de prever com grande precisão o intervalo de casos para essa semana epidemiológica 12 para João Pessoa, Cabedelo, Santa Rita e Conde. Para Bayeux, o modelo chegou bem perto, mas subestimou o número de casos ou seja, a realidade infelizmente foi um número de casos maior do que se esperava”.
A pesquisa atualiza diariamente uma página com os dados, desde 4 de abril de 2020. “Quando a Fapesq abriu o edital para financiamentos de projetos para ajudar a Paraíba no combate à pandemia nas grandes cidades, foi uma extensão natural do trabalho que vínhamos desenvolvendo”, diz o professor. “Formamos uma equipe maior para poder expandir os objetivos para uma visão mais específica (previsão e modelagem inteligente) para grandes cidades e áreas metropolitanas”.
Profissionais de saúde estão sentindo a agressividade da segunda onda
“A segunda onda está realmente mais cruel. O vírus está mais agressivo, realmente, está mais letal”, conta Matheus Agra, médico que coordena uma das alas para pacientes com covid no Hospital Metropolitano, em Santa Rita. “Antes a gente ainda tinha uma análise de que os pacientes jovens não tinham tantas complicações. Antigamente o paciente jovem e sadio não tinha um comprometimento pulmonar tão grande. Agora os pacientes que estão chegando a ser hospitalizados estão ficando com um comprometimento muito elevado, já vêm com uma dispnéia mais franca, a evolução está mais rápida”.
Agra testemunha uma combinação implacável desta pandemia: o sofrimento dos pacientes e a exaustão dos profissionais de saúde. “Os profissionais de saúde estão todos cansados, estamos há mais de um ano num ritmo muito intenso”, confessa.
O aumento da gravidade do cenário geral da doença no Brasil tem levado os pacientes a exigir cada vez mais atenção redobrada. “Cada vez mais a necessidade de leitos aumenta e consequentemente abrem novos serviços. E a gente se dispõe ao máximo para ajudar, para poder dar assistência também a esses novos leitos, já que – como a gente diz na medicina – a gente ‘já tem mão’”, diz, e explica: “‘Já ter mão’ em alguma coisa quer dizer que você já tem uma experiência boa, já sabe manejar bem”.
Mas, com um ano da pandemia sem dar trégua e com o cenário brasileiro em seu pior momento, está ainda mais difícil para os profissionais. “A gente já está exausto mentalmente e fisicamente”, conta. “Alguns colegas não estão podendo ainda nem ter contato com os pais. Isso é muito difícil. Além do estresse diário, ainda não poder chegar em casa para contar com seus familiares para um aconchego, um carinho, é muito ruim”. Mas ele completa: “Ao mesmo tempo que eu vejo essa exaustão, eu vejo muita garra e vontade de ajudar. Muitos já podiam ter largado e voltado para o seus serviços normais. Estão colocando o cansaço de lado para poder seguir ajudando e salvando os pacientes”.
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