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A violência obstétrica no Brasil

Apesar do sofrimento das mulheres na assistência ao parto ser um fato muito antigo, a violência obstétrica só passou a ser percebida na década de 80, por meio do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM), que reconhecia o tratamento impróprio e agressivo na atenção à saúde das mulheres. Porém, ainda que o tema estivesse na pauta feminista, foi ignorado diante de outras questões urgentes na agenda dos movimentos. Já neste século, o tema em questão ganhou visibilidade no Brasil e no mundo. O interesse acadêmico se ampliou sendo tema de diversos estudos e mostras artísticas.

A Organização Mundial da Saúde (OMS, 1996) define violência como a utilização de poder ou força contra outra pessoa, que leva a um grau significativo de dor e sofrimento, físico ou psicológico. Por sua vez, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, define violência contra a mulher como a prática de qualquer ato baseado no gênero, que cause algum dano ou sofrimento físico, sexual e psicológico à mulher, tanto no âmbito privado quanto público, que podem ser praticados inclusive pelo Estado.

A violência obstétrica corresponde a uma forma específica da violência de gênero praticada por profissionais da saúde, na medida em que se observa uma apropriação indevida dos processos corporais, reprodutivos e sexuais das parturientes. Expressa-se em tratamento indevido, medicalizações desnecessárias e problematização dos processos naturais, levando a mulher à perda da autonomia para decidir livremente sobre seu corpo e sexualidade, o que reflete diretamente na sua qualidade de vida.

A assistência durante o pré-natal em todo o âmbito nacional possui normas preconizadas pelo Ministério da Saúde, que tem como objetivo a promoção de uma assistência integral durante todo o período gravídico puerperal, principalmente através de momentos informativos às gestantes, favorecendo a melhora da qualidade da assistência prestada. A ausência de educação em saúde as leva a compreender que todos os procedimentos, na qual está sendo submetida, são rotinas da instituição e irão ajudar a salvar seus filhos, o que contribuem com a perda da autonomia feminina no momento do parto.

O não reconhecimento das práticas como uma violência obstétrica está presente também entre a equipe de saúde. Alguns profissionais não reconhecem tais procedimentos como uma prática danosa, justificando as ações como uma ajuda à parturiente para a realização do parto.

Entre as principais formas de violência encontram-se:

- Negação de atendimento ou prestação de informações;

- imposição de cesárias e medicalizações desnecessárias;

- manobras e procedimentos fora de uso.

Além dos gritos, insultos, ironias, piadas, toques doloridos e sucessivos por vários avaliadores; críticas ou agressões a quem grita ou expressa dor e desespero; proibição ou exigência do sexo feminino para acompanhantes; tricotomia (raspagem dos pelos na pele); proibição para andar, se alimentar e se hidratar durante o trabalho de parto e impedimento de ter contato com o bebê antes dos procedimentos de rotina.

Todas as gestantes têm direito ao parto humanizado de qualidade e durante a internação e trabalho de parto, o direito de ser escutada, ter as suas dúvidas esclarecidas e escolher o parto que deseja, de expressar os seus sentimentos e as suas reações livremente e de escolher a melhor posição para o parto. Há cerca de duas décadas, o Ministério da Saúde (MS) vem tentado intervir com políticas para humanizar a assistência ao parto e ao nascimento e reduzir os índices de cesárea, baseando-se em recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e seguindo evidências científicas que apontam as desvantagens da cesariana em relação ao parto vaginal.

Muitas mulheres ainda são proibidas de ter o primeiro contato precoce com o bebê, ou ainda impedidas de amamentar durante a primeira hora após o nascimento, sem nenhum motivo aparente que justifique tal ato. Sabe-se, no entanto, que o bebê deve ser colocado sobre o corpo da mãe para sentir seu cheiro e calor e ter contato com a mama, imediatamente após o nascimento. Esse cuidado é fundamental para o fortalecimento do vínculo entre a mãe e filho e somente após esse período, os procedimentos de rotina e avaliação da saúde do bebê devem ser realizados.

Diante da exposição a situações de violência obstétrica como essas, as mulheres vivenciam diversos sentimentos como impotência, humilhação, vergonha e medo, como reflexo da violação de seus direitos, refletindo diretamente em sua saúde mental e na tomada de decisão em relação às futuras gestações. O desconhecimento e invisibilidade desta forma de violência ocorre em função de diferentes fatores, como: aceitação e banalização de condutas que são vistas como “uma brincadeira” pelos sujeitos envolvidos, inclusive pela paciente; a dificuldade que as usuárias têm, em geral, de criticar o serviço de saúde e principalmente devido a sensação de alivio e gratidão por parte das mães, após o nascimento de um bebê saudável, o que, para elas, compensaria qualquer mal trato ou inconveniente ocorrido durante a assistência.

Percebemos o desconhecimento das puérperas em relação a violência obstétrica. Logo, por falta de informação sobre o processo de parturição e dos seus direitos sexuais e reprodutivos, ela não reconhece a violência obstétrica, aceita o atendimento prestado, acreditando na competência dos profissionais de saúde, que raramente reconhecem que praticam a violência. Essa problemática pode ser resolvida por meio da educação em saúde no pré-natal, parto e pós-parto, do acesso à informação, da comunicação eficaz e de um cuidado centrado na mulher e na família.

Sabe-se que uma boa experiência no momento do parto pode proporcionar à mulher condições essenciais para o nascimento de seu filho, favorecendo o vínculo mãe-bebê. Porém, para humanizar o atendimento à mulher, é necessário primeiramente o reconhecimento da sua individualidade através de uma assistência holística integral, percebendo assim, as reais necessidades de cada mulher e também sua capacidade de lidar com o fenômeno do nascimento, empoderando-as.

A solução mais óbvia para o problema está na prática de uma assistência humanizada. Porém, a humanização depende da capacitação e atualização frequente dos profissionais de saúde que devem incentivar e permitir a autonomia das mulheres para que elas atuem como protagonistas de sua gravidez e parto.



MÁRCIA JANIELE NUNES DA CUNHA LIMA

Doutoranda em Engenharia de Processos na UFCG; Mestre em Sistemas Agroindustriais pela UFPB; Membro do grupo de pesquisa violência e saúde da UFCG; Enfermeira pela Faculdade Santa Emília de Rodat – FASER;Docente da Ômega Cursos Profissionalizantes;Gestora de políticas públicas da mulher e saúde da APBCE; Pós-graduanda em MBA Gestão hospitalar e serviços de saúde

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